Como todos já sabiam há muito tempo, as eleições de 2012 em Angola foram novamente um exemplo de democraticidade, eficiência e transparência. Aliás, nem outra coisa era de esperar do partido, o MPLA, no poder desde 1975. Isso mesmo foi confirmado por um dos observadores portugueses, Azeredo Lopes.
Azeredo Lopes que agora, como ministro da Defesa de Portugal, vem cá, dentro de dias, a despacho com as autoridades angolanas. Relembre-se que o governo socialista de António Costa deposita grandes esperanças nesta deslocação. E tem razões para isso. Azeredo Lopes é, desde há muito, um amigo do regime e certamente João Lourenço sabe disso.
Regressemos a 2012. Mesmo antes das eleições, nos areópagos políticos dos parceiros e sócios do regime angolano havia a certeza que seriam um paradigma da transparência, a ponto, ao contrário de 2008, a União Europeia ter reduzido o número dos seus observadores eleitorais de 100 (então chefiados pela italiana Luísa Morgantini que foi considerada pelo regime como persona non grata) para… 2 (dois).
Os observadores não detectaram irregularidades: Os mortos voltaram a votar… no MPLA, muitos vivos não constaram dos cadernos eleitorais, em algumas secções foram mais os votos do que os votantes…
Vejamos agora um artigo de opinião de Azeredo Lopes, observador a esses eleições e hoje ministro da Defesa de Portugal e que dentro de dias estará por cá. O texto (sob o título “Crónica breve de uma observação eleitoral”) foi publicado no Jornal de Angola no dia 3 de Setembro de 2012:
«Pude assistir, na qualidade de observador internacional, às recentes eleições gerais angolanas. Na altura em que escrevo, foram já divulgados resultados provisórios correspondentes ao escrutínio de uma percentagem significativa dos sufrágios.
Quaisquer eleições gerais num qualquer país são, por razões evidentes, um momento importante. Nesse dia, dá-se voz decisiva aos cidadãos-eleitores. Pergunta-se-lhes o que querem, que projecto político ou de governo vai merecer a sua escolha individual. E, depois, aquele que conseguir agregar mais votos passa, em virtude do princípio representativo, a ter um mandato.
Com efeito, dispõe a partir daí de um poder muito importante, que é legítimo (porque conseguiu a maioria) e vinculado (porque do titular desse poder se espera que cumpra aquilo a que se comprometeu perante os seus concidadãos). Através deste “processo” bastante simples, se alcança a forma menos imperfeita de governo que até hoje se conseguiu inventar: a ela se chama democracia.
Evidentemente, democracia é mais do que eleições. Mas sem eleições é que não há democracia. No caso concreto de Angola, muito estava em jogo. Estas eram “apenas” as terceiras eleições desde a independência, e muitos esquecem que só há pouco mais de dez anos o País vive em paz. Por outro lado, ao contrário do que alguns pensarão, a organização eficiente de actos eleitorais não se aprende de um dia para o outro: tem uma dimensão técnica e regulamentar importante, exige formação de muitos e competências específicas.
Além disso, a avaliação externa, sabia-se, ia ser exigente. Para minha (relativa) surpresa, bastantes consideravam – em surdina ou nem tanto – que no dia 31 de Agosto as coisas só podiam correr mal. E em alguns percebi, com grande pena, quase a vontade de que corressem mal. Por outro lado, o elevado número de observadores nacionais e internacionais presentes garantia que, se as coisas corressem menos bem, o facto não deixaria, com certeza, de ser reportado e de se reflectir na apreciação que, no plano internacional, logo seria feita.
No que me diz respeito, assim como ao grupo em que estava integrado, procurámos “ver” o mais possível; falámos com um grande número de pessoas e instituições, públicas e privadas (incluindo órgãos de comunicação social); visitámos assembleias de voto um ou dois dias antes do acto eleitoral; e, no dia D, percorremos de lés-a-lés a área de observação (a província de Luanda), do Sambizanga a Viana, do bairro operário a Tala Hady.
Foi perceptível, antes do mais, o empenho em que as coisas corressem bem, patente nos meios disponibilizados; mas, principalmente, o entusiasmo e o civismo magnífico dos votantes no exercício do seu direito de voto e, bem assim, a dedicação sem falhas de membros de mesas e dos delegados partidários. Votou quem quis, em quem muito bem entendeu, sem constrangimento ou condicionamento de que me tivesse apercebido. Houve ou não falhas? Com certeza que sim, mesmo porque a organização de eleições, em Angola como alhures, é obra humana. Mas é minha convicção, e tal foi destacado (tanto quanto sei) pelo conjunto dos observadores, é que o que possa ter corrido menos bem não pôs em causa a veracidade e justiça do sufrágio.
Uma palavra final a respeito dos responsáveis das principais formações partidárias. Durante o período de campanha, como é normal e até saudável, proferem-se afirmações contundentes, às vezes muito inflamadas e até excessivas. É, repito, normal. Mas a maturidade política dos diferentes agentes deste processo eleitoral merece, no geral, ser devidamente destacada. E é excelente que assim tinha sido. Porque Roma e Pavia, como costuma dizer-se, não se fizeram num dia; e o mesmo acontece com as democracias.
Quanto ao resto, isto é, a análise dos resultados, da taxa de abstenção, quem venceu e quem perdeu, é trabalho que outros não deixarão de fazer. Porque disso não cura – não deve curar – um observador eleitoral.»